O Jornal de Notícias, 24/03/1949. Aquí, Londres… (Do cronista especial do Jornal de Notícias).
Londres.- Um grande diário londrino, o de maior circulação, inaugurou a sua nova secção “chistes do día” com uma história que parece justificar o agradavel passatempo de extrair deduções algo sérias de casos um tanto óu quanto triviais.
Eis a historia:
-Que estás a fazer?- pergunta a mulher ao marido, que está a limpar um revólver.
-Preparo-me para ir matar John Strachey, respondeu ele.
-Mas, por Deus, não faças tal coisa, suplicou a consorte. Serás preso.
-Não me importo. O que não posso é suportar por mais tempo que esse homem escolha as minhas refeições.
E metendo o revólver no bolso, o candidato a homicida saíu para a rua. Duas horas depois, porém estava de regreso a casa.
-Que aconteceu? Inquiriu, anseosa, a esposa.
-Não consegui aproximar-se dele. Havia uma bicha enorme…
John Strachey é o Ministro dos Abastecimentos da Grã-Bretanha. Aparte a Inglaterra, haverá muitos países em que um jornal possa contar este chiste aos seus quatro milhões de leitores sem qué ninguém se escandalize ou haja consequéncias desagradáveis?. Parece-nos que serão poucos… como também serão poucos aqueles em que o chiste ou a caricatura política se publicam mais com o desejo de divertir do que de ferir -embora no fundo não lhes falte um bocadinho de intenção… Procuram mesmo fazer rir a “vitima”- se ela não carecer totalmente de sentido do humor. E qualquer coisa de semelhante ao que sucede no Parlamento británico, onde o humorismo e a ironia constituem armas muito mais poderosas do que o ataque directo e a oratória rebuscada, permitindo dizer, a rir, coisas mais fortes do que aquelas que se poderiam dizer a sério. Esta facilidade para o humorismo tem muito a ver com a auséncia total de hostilidade entre os homens públicos da vida política inglesa.
Pensando nestes e noutros chistes similares, lembramos a importáncia que eles tém no conhecimento mutuo dos povos, incluso em detalhes que podem parecer triviais. Nunca poderemos esquecer, por o termos lido, como em 1914 os alemães confiavam enormemente nas actividades subversivas das sufragistas inglesas e na sublevação dos nacionalistas da Irlanda. E por fim, as sufragistas ganharam o direito de voto contribuindo com o seu esforço, até ao máximo, para a vitória da pátria; quanto á sublevação na Irlanda, quando surgiu não teve influència alguma na marcha da guerra se a compararmos com a heroica contribuição de centenas de milhar de irlandeses que lutaram nas fileiras dos exércitos británicos.
Um pouco de conhecimento da psicología de ingleses e irlandeses teria evitado aos alemães cairem neste e noutros erros parecidos que os levaram a iniciar a guerra contra um inimigo que julgavam menos forte do que era na verdade. Certamente que no caso do “nazismo” esta classe de erros deve ter-se repetido em grande escala.
Também não duvidamos que este chiste ácerca do sr. Strachey tenha passado, através de alguma embaixada instalada em Londres, aos arquivos de qualquer estadista distante entrincheirado por detrás de espessas muralhas. E talvez ele esfregue as mãos pensando que quatro milhões de ingleses estão á espera de vez para poderem “liquidar fisicamente” o seu Ministro dos Abastecimentos.
Confiamos em que não será que o destino venha a desenganar os que entendem mais das suas ambições e criações pessoais do que do espírito, psicologia e humor dos povos estrangeiros.
Castro del Río.