A primeira cena do drama eleitoral

A primeira cena do drama eleitoral

O Jornal de Notícias. Aquí, Londres… (Do cronista especial do Jornal de Notícias).

LONDRES, JULHO – E’ na Câmara dos Lordes, embora isso pareça estranho num regime trabalhista, onde nestes dias se desenrola a cena mais importante daquilo que poderiamos considerar como o primeiro acto do drama eleitoral. Os pares do reino foram muito prudentes na sua atitude perante a legislação trabalhista, mas agora, ante o projecto de lei de nacionalização da industria metalurgica, adoptam uma posição mais definida. A sua aprovação marcaria um passo decisivo no caminho da socialização e teria fundas repercussões em todas as esferas da actividade nacional fazendo passar a plano secundario, em muitos sectores, a importancia e liberdade da iniciativa privada. Os lordes conservadores calculam ter chegado o ponto em que é preciso fazer frente ás forças socializantes e que a batalha já não pode ser adiada. Certamente desencadearão porque sabem que se dessem pretexto para apresentar o problema como uma incompatibilidade entre os Lordes e os Comuns a propaganda eleitoral do trabalhista receberia um reforço extraordinário. Por isso, não reprovam o projecto de lei; modificam-no com emendas importantes que ocasionaram a sua devolução á Câmara dos Comuns, mas que teoricamente só estão destinadas ao seu aperfeiçoamento. Uma das emendadas propostas, sobretudo, tem excepcional significado -aquela que adiaria a aplicação da lei para despois das eleições parlamentares, a fim do povo inglês pode exprimir a sua opinião antes que se realize na prática uma transformação tão decisiva na vida economica do país.

Os Comuns, como é natural, não aceitaram esta emenda e tornaram a aprovar o projecto, que apesar da oposição dos Lordes, se converterá em lei, graças ao previsto no “Parliament Act”, um pouco antes das eleições futuras.

Como não será possivel põr em prática as medidas de nacionalização da industria metalurgica antes de que os eleitores tenham manifestado de novo a sua vontade, ter-se-á conseguido, pelo menos, a vantagem de que um triunfo conservador não torne necessária a complicada tarefa de tornar a transformar em privada uma indústria já nacionalizada, mas sim o processo muito mais simples de revogar uma lei que apenas figuraria nas páginas da legislação inglesa.

Sem dubida que, como afirmam certos socialistas, o programa eleitoral de 1945 implicava a possibilidade de implantar esta medida, embora se possa auvidar quanto ao numero de eleitores que teriam consciencia disso. O eleitorado trabalhista -e pordoemme a insistência- e um aglomerado de entidades e perssoas movidas por ideais, interesses e causas muito diversas. O apoio dos Sindicatos e dos seus membros deve-se em grande parte á circunstancia de verem no partido trablhista o meio de conseguirem melhorias nos salários, horários, condições de trablho e serviços sociais mais do que um impulso ideológico. Outros sectores actuam inspirados por motivos doutrinarios, de um marxismo mais ou menos atenuado. E além disso, um grande numero de eleitores individuais deram os seus votos ao partido trablhista movidos pelo anseio indefinido de uma maior justiça social e economica, por um descontemtamento com o passado, associado ao predominio conservador, mas nenhuma adesão á ideologia socialista. Em suma, não votaram pelo estabelecimento dum Estado Socialista na Grã-Bretanha -e a nacionalização da metalurgia seria um grande passo para a meta- todos aqueles que en 1945 deram o poder ao actual governo. Mas a renovação dos mesmo mandato em 1950 já seria outra coisa completamente distinta. Por isso, está justificada no espírito da Contituição inglesa esta acção moderadore dos Lordes, enquanto os seus poderes o permitirem, para que o povo inglés possa escolher consciente e deliberadamente o caminho que seguirão os seus governantes. Por outro lado, não foi tão geral a satisfação com os resultados das nacionalizações já levadas a efeito come para aconselhar a aplicação apressada do mesmo processo a uma industria complexa cuja eficiência actual ninguém nega, assim como a sua contribução para a campanha de exportações no é superada por nenhum outro sector industrial da nação…

Encontramo-nos, pois, no momento inicial dum processo político de incalculavel importancia para a nação inglesa e, poderiamos dizer, para o mundo enteiro, cheia de emoção para os aficionados do drama político. E a primeira das suas cenas não preciso, decerto, do elemento teatral, a pesar de se ter desenrolado no ambiente sossegado da Câmara Alta. Um prestigioso ex-governador de importantes colonias británicas, Lorde Milverton, feito pa pelo actual governo por ocasião da sua jubilação, há doia anos, levantou-se ao ser iniciado o debate para fazer uma declaração de carácter pessoal. “Não atraiçoarei, disse, os princípios de liberdade que tornaram grande esta nação nem ajudarei a forjar uma arma que no futuro e em mãos menos dignas pode significar a morte de tais principios… Declaro, portanto; a minha oposição a este projecto de lei e a minha demissão do partido que o apoia…”.

Estas palavras resumem o discurso de Lorde Milverton, escutado com grande expectativa pelos seus nobres companheiros e que constituem uma elaboração da tese de que o anseio de justiça social que motivou o seu apoio ao movimento trabalhista não foi um mandato para a implantação do socialismo nem para a restrição das liberdades individuais e muito menos uma base para que alguns governantes, que classificou de “evangelistas sinteticos”, exclamem, uma vez no poder: “Agora somos os senhores” e procedam á implantação do seu “evangelho” particular sem ter em conta a opinião ou a conveniência dos que lhe deram os seus votos. “Pensei que ia a tomar parte numa cruzada… mas não desejo ser um passageiro nesta viagem sinistra”. E com esta frase, Lorde Milverton abandonou a companhia dos seus anteriores amigos e foi ocupar uma carteira entre os seus novos companheiros de viagem -os Lordes do partido liberal…

A perda dum partidário na Câmara Alta não debe inquietar muito o governo, mas sim a probabilidade de que as suas opiniões sejam compartilhadas por um sctor consideravel da opinião pública inglesa. Em todo o caso, a pausa imposta pela Câmara dos Lordes, muito caracteristica do mecanismo da politica britânica, será como que uma valiosa oportunidade para que a Inglaterra possa pensar serenamente na futura rota politica e social que deseja seguir sem parar no caminho do progresso mas também sem se deixar levar precipitadamente pela vía, possivelmente perigosa, que poderia ser-lhe indicada pelos “evangelistas” da doutrina que em qualquer momento estiver na moda.

Castro del Río